sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Memórias do Gomes. Parte 3

Jornal Diário do Povo, fevereiro de 1976. Na volta as aulas, minha chegada na 5ª série com direito a foto na capa do jornal. Flagrado prestes a "tomar uma caneta" na quadra do meu então amigo Carlos.
Uma das ruas laterais da escola Carlos Gomes, a Rua General Osório abriga um grande centro comercial. Nos idos anos 70, em início de ano letivo, lá iam "procissões" de mães rumo às papelarias e livrarias comprar o "arsenal" do material escolar. Nada do governo ajudar como nos dias atuais. Ganha-se de tudo hoje. Livros, mochilas, kit de material escolar completo com cadernos, lápis, borracha, compasso, cola e até livros de literatura. Sem contar Passe Escolar, Passe Gratuito e merenda. Mas naqueles anos, eram os míseros trocados dos pais que subsidiavam, às vezes a prestação o material a ser usado no ano. Voltando a General Osório, a papelaria mais famosa e central era a Nossa Casa. Hoje no mesmo endereço existe comércio similar, mas com outros proprietários. Lá fui eu em uma perdida tarde de março de 1976 com minha mãe. Estávamos munidos da lista que a escola pedira e a desconfiança que a tal "inflação" talvez não permitisse muito luxo no material. Me lembro que o comércio estava lotado. Gente pra tudo quanto é lado. Filas para fazer o pedido. Filas para pagar no caixa. Aliás, os donos lá ficavam. Eram dois sujeitos obesos. Mas obesos mesmo. Suavam às bicas apesar dos ventiladores voltados para suas cabeças. O calor forte do verão não perdoava. Eu paquerava as mochilas mais legais. Eram as que traziam desenhadas os carrinhos da Matchbox (se fosse hoje, Hotwells). Mas eram caras! Desejava um estojo todo bacana de madeira com divisórias internas para o apontador, a borracha, os lápis, os de cor enfim. A tampa tinha um desenho de um barco todo estilizado pra corridas aquáticas. Tinha outro que era uma foto de um dragster! Ah! Como desde essa época eu adorava os carros! Mas tudo muito caro. Todo ano era a mesma coisa. Ficávamos horas para sermos atendidos. Mas neste ano de 1976, ficou na minha lembrança. Depois de separar o material, feitas as contas, fomos para a fila do caixa. Me lembro que um daqueles gordos (ah! desculpe, obesos), chamou minha mãe e tascou: "Oitenta e dois Cruzeiros dona!" Minha mãe meio que sem jeito ficou muda por instantes. Olhou para trás, calculou a fila que a espreitava e tentou: "Ihh moço, só tenho oitenta, posso pagar o resto depois?" Minha memória deletou o que o sujeito respondeu pra minha mãe. Mas foi algo ruim e indelicado que me fez dizer na hora: "Gordo filho da p@#*a, minha mãe disse que depois dá o dinheiro!" Não houve jeito. Além de não ceder na proposta de minha mãe ele recuou na venda depois do meu comentário. Me lembro que ela chorou neste dia. Um desapontamento de mãe, talvez com vários motivos. Pouco dinheiro, altos custos para me manter estudando e porque não a "boca suja" do filho! Foi meu pai, na época um metalúrgico que foi lá e resolveu a parada. Pagou a vista o material e reafirmou do jeito dele o que o filho dissera um dia antes. E que não justificava a recusa da venda, já que todo ano comprávamos lá. Detalhe. Na época não havia Procon, mas meu pai carregava na Kombi algo que talvez tivesse maior efeito. Um "senhor" facão que era usado apenas para os serviços braçais. Mas duvido que não fizesse as vezes de um Serviço de Atendimento ao Consumidor. Meu pai era meio "estourado", mas sempre dentro do que ele denominara "estar na razão." Aquele ano, aquela quinta série foi talvez o ano mais delicioso de escola. Quanta coisa legal pra um adolescente dos anos 70! Surgia a Disco Music, a Globo lançava a primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, aos sábados não perdíamos um episódio de Harold LoydStar Lost, série sobre espaço nunca mais reprisada. Nas aulas muitas novidades, vários professores novos e as meninas! Ah! As meninas...Nas bancas de jornal era mania a compra de times de futebol de botão em envelopes como se fossem figurinhas. Criávamos torneios na escola e brincávamos nos finais de semana. Se dentro dos muros da escola Carlos Gomes, havia o acesso para o conhecimento, foi nas ruas envolta dela que fatos como o vivido na papelaria Nossa Casa que nos fez compreender que entrávamos na adolescência.
Ah se essas salas falassem. Quanta bagunça e paquera naquela 5ª série à tarde....

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