Clássico contemporâneo para leitura obrigatória dos professores. Mas é um ilustre desconhecido. |
"Na escola platônica, o estudante não adormecia antes de repassar de memória todos os atos e pensamentos do dia, de modo, a não esmorecer no seu empenho de autoconsciência ; e na manhã seguinte se aparecesse despenteado ou mal vestido, não era admitido em classe: a ordem no interior da alma devia refletir-se numa aparência física limpa e saudável." Fragmento da obra de Olavo de Carvalho, O Imbecil Coletivo II, 1998, página 156. Pois bem caro leitor, pensando na citação fiz a transposição da alegoria do aluno grego na Antiguidade para a imagem do professor contemporâneo brasileiro. Algo que sempre incomodou-me enquanto docente, foi frequentar a sala dos professores das escolas em intervalos, saídas e entradas. Poucas ou raras vezes podia dialogar algo que estivesse além do simplismo imbecil que fosse além de futebol, clima, culinária e por vezes até ouvir as mais ignóbeis piadas. Como docente sempre acreditava que era obrigação uma atualização constante na literatura e na conjuntura. "Que nada, sala dos professores é lugar de relaxar!" Bradava as professorinhas empunhando seus catálogos de cosméticos, desodorantes, recipientes plásticos etc. Quando não a receita televisiva de um quitute qualquer impressa em equipamento exclusivo para produção de cópias de provas para os alunos. Me sentia mal. Sempre achei abjeto esse mundo, mas por quase duas décadas foi meu habitat profissional. Das poucas vezes em que fiz tais observações, me tornei o "chato", o "incomodado" e "insociável" mesmo quando queria discutir algo mais "mundano" como um artigo de revista ou um filme nos cinemas. Mas tinha que admitir que as asneiras soltas neste mundinho eram menos penosas que as intermináveis lamúrias sobre a lida na sala de aula. Por quantas vezes sugeri a colegas que desistissem da profissão de tanto que reclamavam. Eis, do meu ponto de vista a miséria intelectual de nossos artífices da Educação pública. É possível entender uma das causas da indigência de desempenho dos alunos, refletido na alma dos nossos docentes, desconhecedores desde tempos remotos as esperanças da escola platônica. Uma alma limpa e saudável, fruto de leituras que subsidiassem um dia a dia menos indigente nas escolas. Das leituras que fiz, a que mais me condoeu de não discutir com colegas de profissão foi a obra do filósofo argelino Jacques Rancière, O Mestre Ignorante, Autêntica Editora, 2002.
"A ignorância do mestre é da desigualdade. O princípio, a igualdade, é um axioma a ser verificado." |
Trata-se de uma obra filosófica que propõe uma emancipação complexa pelo conhecimento. Parte dos relatos de Joseph Jacotot, professor e revolucionário francês exilado em 1818 em razão das efervescências políticas de época. Nos países baixos europeus vive uma aventura intelectual reveladora. Ensinar a língua francesa a um grupo de jovens flamengos sem o mínimo conhecimento do idioma local. Sua ferramenta de interação com os jovens foi uma obra mitológica grega, Telêmaco, que instiga os alunos a uma investigação pelo francês para a compreensão de seus contextos. Enfim, Jacotot, atinge no ápice de sua aventura intelectual o envolvimento pleno de seus alunos pelo idioma francês. Partindo deste ponto Rancière propõe 5 lições sobre a emancipação intelectual. Ao educador contemporâneo é necessário sabê-las. Compreender como um dos fatores essenciais, a nossa plena ignorância sobre as armadilhas nas relações de ensino, quem mal imaginamos. A ignorância de Jacotot foi desconhecer fatores invisíveis no anseio intelectual dos seus alunos. Superou metafisicamente o improvável. Seus alunos aprenderam sem que teorizasse nada. Em nossas escolas brasileiras, docentes mal se comunicam com seus alunos, quanto mais ensiná-los. Me dê outros motivos pela penúria atual. Se há prerrogativas endógenas sobre o aluno na discussão, entendo que o livro é mais que um alerta aos docentes. Sobre o mestre emancipador, Rancière escreve: "Eles (alunos) haviam aprendido sem mestre explicador, mas não sem mestre. Antes, não sabiam e, agora sim. Logo Jacotot havia lhes ensinado. (...) Ele havia sido mestre por força da ordem que mergulhara seus alunos no círculo de onde eles podiam sair sozinhos (...)" A obra é essencial a qualquer educador. Deveria estar nas bibliografias dos concursos de seleção de professores e nas dos cursos de Pedagogia. Um escape ao "paulofreirismo" em voga no país. Muito adequado ao modelo de educação política de esquerda reinante no país a anos e sem qualquer resultado prático! "Mas como admitir que um ignorante possa ser causa de ciência para um outro ignorante?" Para encerrar esse post, reproduzo uma citação interessante do site da Revista Cult sobre o livro de Rancière: 'Em 2002, uma de suas principais obras, O mestre ignorante, foi traduzida e distribuída gratuitamente entre professores em formação no Rio de Janeiro. Trata-se da história de Joseph Jacotot, que, no século 19, ensinou a língua francesa a jovens holandeses da classe operária. Detalhe: nem mesmo o professor conhecia o idioma de Zola."
FONTES:
Carvalho, Olavo O Imbecil Coletivo II ; Rio de Janeiro : Topbooks, 1998.
Carvalho, Olavo O Imbecil Coletivo II ; Rio de Janeiro : Topbooks, 1998.
Diversos Cadernos de Anotações Seminários GEPEC 2003, UNICAMP.
Rancière, Jacques O Mestre Ignorante; trd Lílian do Valle, BH : Autêntica, 2002.
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