sábado, 19 de outubro de 2013

Coisas Eróticas

Concluí recentemente a leitura do livro "Coisas Eróticas", dos jornalistas Denise Godinho e Hugo Moura, editado pela Panda Books, 2012. Trata-se de excelente pesquisa jornalística sobre um dos maiores fenômenos do cinema nacional. Óbvio que não sendo o único, Coisas Eróticas, está envolto em fatos ímpares em nossa história cinematográfica. Vai além da mera pornografia, combustível instantâneo desencadeador do fenômeno numa época de total repressão e censura. Alguns deles cito aqui, mas a leitura do livro, além de agradável é essencial para quem ama cinema. No início dos anos 80, a Ditadura Militar brasileira agonizava em seus últimos anos. Um rápido processo de abertura política resvalou em aspectos da cultura nacional. A censura que por décadas sustentou o poder já não se sustentava. O Ato Institucional n° 5 que por anos garantiu a repressão aos meios de produção cultural, agora sucumbia nas liberdades trazidas pelo AI 11. Raffaele Rossi um quase falido diretor de cinema da então boca do lixo paulistana, em busca de saldar dívidas vai provocar um verdadeiro terremoto em seu meio. Influenciado pela ousadia extrema do filme japonês O Império dos Sentidos de Nagisa Oshima, Rossi teve a maior inspiração da carreira. A introdução do sexo explícito em um roteiro de filme genuinamente nacional. Se a pornografia já chegara por outros meios no país, o que parece óbvio para o cinema foi uma batalha das mais épicas de nossa cultura. Apesar das aberturas políticas, a produção cultural da época ainda passava por um crivo da censura. O filme Coisas Eróticas ficou pronto em pouco mais de um mês de filmagens. Abre-se então o processo de censura parcial da obra. Como Rossi o remontou encontrando assim uma possibilidade de certificação para exibição. Se a censura federal era uma bagunça na época, porque assim o eram os métodos de se fazer cinema na boca do lixo. As cenas do filme Coisas Eróticas são para lá de amadoras. Imagine atores e todos os equipamentos transportados em um Opala amarelo ano 1975 saindo da capital rumo ao litoral. Filmagens feitas de madrugada para ninguém ver os atores nus na praia! Rodado em sua maioria na região de Campinas, Rossi contou com carros emprestados dos atores que quebravam nos trajetos, cenários em locações emprestadas por parentes de gente da produção. E o que não faltam são informações de peculiares como a dublagem de um dos atores feito pelo mesmo dublador do Fred do desenho Os Flintstones. Créditos finais escritos em cartolina colorida segurados por assistente. Lançado apenas em um cinema em São Paulo amparado por liminar judicial Coisas Eróticas virou um fenômeno de público, após 200 dias de espera para aprovação da censura, o que levou Raffaele Rossi e demais produtores quase a falência. Mesmo perseguido pela censura e odiado por religiosos da época, Coisas Eróticas somou a venda de mais de 4,7 milhões de ingressos. Está na lista dos filmes nacionais mais vistos da História na 14ª posição, sendo o 4° mais visto nos anos 80. O livro faz um retrospecto para cada um dos atores que participaram do filme. A maioria voltando ao anonimato e Raffaele Rossi que após constituir uma fortuna com o filme, morre endividado, pobre e solitário em uma chácara em Embú Guaçu. Mas o legado de afronta aos costumes e a cultura de uma época são dignas deste excelente livro. 

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