Entre abril de 2009 e novembro de 2010, mantive um blog no antigo Blig, espaço do Portal IG para blogs. Este, deixou de funcionar em maio último. Alguns dos textos que publiquei lá, estavam backupeados. Vou publicar neste blog a partir de agora, os textos que considero de uma série de bons temas que geraram polêmicas entre meus então leitores. O texto abaixo foi originalmente publicado em 5 de dezembro de 2009.
Fornalha
“A free-way estava coalhada de carros. De uma amurada a outra,
nenhum espaço. Ao luar, via os radiadores enegrecidos, capôs corroídos, vidros
partidos ou cobertos de pó, faróis vazados. Surgiram de repente, ao rastejarmos
pela lombada. Na sua imobilidade davam a sensação de velocidade.
Fantasmagóricos, como esqueletos de dinossauros em museus. Bando de monstros,
mortos subitamente em pleno ataque. (…) Isto me vem à cabeça, ao ver estes
velhos carros, talvez os últimos do grande sonho brasileiro. Logo depois do
Notável Congestionamento, as fábricas foram fechadas e milhares de pessoas
ficaram nas ruas. Os que trabalhavam na fabricação e os que viviam das
indústrias paralelas. Um tempo de grande dor. Pois é, restos do Notável
Congestionamento. Mas já retiraram os carros de quase todos os lugares. Foi
fácil fechar as estradas. Aqui mesmo são duzentos quilômetros de
congestionamento. (…) Quem ía pensar que um dia íamos sentar tranqüilos entre
os carros na estrada? Estão aí mortos. Quanta lata velha. Os carros ficaram
parados dois anos em frente à minha casa. (…) Buzinavam, aceleravam podia ver o
ar preto. A maioria esgotou a gasolina e o álcool do tanque. Ninguém desligava
o motor. Pela manhã as pessoas continuavam no carro. Como se pertencessem a
ele. (…) As famílias traziam mudas de roupa, café, comida. E o desespero quando
souberam que não circulariam mais? Choravam diante do automóvel, inconsoláveis,
lamentando como se fosse parente morto.”
Prezado leitor. As
informações acima não se referem a nenhum grave congestionamento em nossos
dias. Extraí trechos do livro de Ignácio
Loyola Brandão, “Não Verás País Nenhum“, escrito nos anos
80 do século passado, mais exatamente em 1982. Trata-se de uma ficção. Em um
futuro imprecisamente distante, é impossível a vida na Terra mediante o contato
direto com o Sol. O desequilíbrio ambiental cria uma visão apocalíptica de
um mundo onde a vida só continua em baixo de lajes anti solares. A princípio o
livro é apenas um primor ficcional. Mas olhando pelas janelas do meu carro,
creio que Brandão foi premonitório.
Estaríamos às vésperas do tal “Notável
Congestionamento?” Infelizmente as desconfianças não são apenas visuais. A cidade de São
Paulo registrou 293 quilômetros de congestionamento em um dia de junho deste
ano. O maior da história. O maior do mundo! Segundo o professor Marcos Cintra, doutor em economia por Harvard, os congestionamentos podem custar aos cofres de
um país, até R$ 26 bilhões! Atrasos, acidentes, compromissos cancelados e
desgastes das frotas mais acelerados do que o normal. Paralelo aos problemas do
trânsito, uma indústria automobilística cada vez mais agressiva. Baixa dos
preços, multiplicidade de modelos, sofisticação sem limites e os governos
“contribuindo” com a letárgica política de manutenção e ampliação da infra
estrutura. Bem, só resta esperar então o “Notável Congestionamento.” Espero que quando ele acontecer, meu
carro esteja pelo menos pago!
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